27.8.09

As facas do Sr. Woldyslack Nicolayewcht Zacarowiskini, ou o Russo de Tiradentes

Aproveitando o embalo dos programas "CBN Sabores BH" sobre o Festival de Gastronomia de Tiradentes, lembrei de quando estive na cidade histórica em 2004. Na época, viajava pela Estrada Real coletando histórias para meu primeiro livro: Caminhos do Sabor - Estrada Real (Ed. Autêntica).

Um dos casos mais interessantes que encontrei foi o de Woldyslack Nicolayewcht Zacarowiskini. Mais conhecido como Russo, ele mantem viva a tradição cuteleira de sua família através das Facas Burza.

Quando em Tiradentes, um ótimo programa é ir conhecer o Russo e suas facas (recomendo agendar a visita de antemão). Abaixo, sua história:


O Cuteleiro Russo em Tiradentes

Quer deixar um chef de cozinha irritado? Basta usar sua faca sem a sua permissão. Chefs de cozinha costumam ser maníacos por facas. Cada um tem seu modo especial de afiá-la, de limpá-la e guardá-la. Algumas até recebem nomes femininos e são levadas para casa no fim do expediente. Se alguém é encontrado mexendo na faca de um chef, é como se estivesse importunando sua mulher. Por isso, cuidado! Existem casos de chefs mais exaltados que chegam a expulsar aos berros de sua cozinha aqueles que ousam tocá-la.

Woldyslack Nicolayewcht Zacarowiskini nasceu num campo de prisioneiros na cidade de Tula, no Sul da Rússia. Ao desembarcar no Brasil em 1951, Woldyslack precisou logo de um apelido: “Russo”. Depois de algum tempo no Paraná, morou por 30 anos em São Paulo. Até que um dia se sentiu incomodado com a falta de conforto que a vida na metrópole lhe proporcionava e mudou-se para Tiradentes.

Russo é parte da nona geração de sua família que produz facas de alta qualidade. A história das Facas Burza – palavra que significa tempestade na língua cossaca – é documentada desde 1692. Top de linha mundial, as facas são artesanalmente produzidas no ateliê de Russo, que tem como objetivo unir estética e utilidade ao instrumento.

As lâminas das facas Burza são feitas de aço especial e coladas com resina da classe GY, que a Nasa utiliza para reforçar seus tubos de alta pressão. O punho é feito de madeira de lei, geralmente jacarandá, chifres ou ossos de búfalo. As facas são desbastadas de um só lado para facilitar o fino fatiamento vêm acompanhadas de bainha em couro curtido e pedra de óxido de alumínio. Todas as peças são numeradas, e a garantia contra defeitos de fabricação é eterna.


“Realinhando o fio de corte”

Russo explica que facas de qualidade são raramente afiadas. A pedra de óxido de alumínio, um material não abrasivo, serve apenas para desviar o fio de corte. Ele conta que quando a faca é utilizada, acontece a dobra de micro-grãos de aço. A pedra serve para realinhar o fio de corte, voltando os micro-grãos a sua posição original. “Uma faca não deve jamais ser afiada em casa. Afiar significa tirar uma rebarba do fio de corte, e isto só deve ser feito por especialistas num período de seis em seis anos”.

Para realinhar a faca na pedra de óxido de alumínio, Russo recomenda a compra de glicerina líquida numa farmácia, que deve ser colocada para ferver em fogo baixo. Quando alcançar fervura, deve-se desligar o fogo e mergulhar a pedra na glicerina, que irá penetrar pelos poros, ocasionando a oleosidade necessária. O processo, que deve ser feito apenas uma vez, permitirá que a pedra esteja sempre oleosa, não necessitando molhá-la nem à faca.


De geração em geração

Russo não encara suas facas como mercadoria e sim como um instrumento cheio de personalidade. “Cada faca é uma faca”, diz com olhos fixos ao retorcer a ponta fina do bigode. Russo é formado em ciências exatas, raramente assiste televisão, faz suas contas usando uma calculadora árabe e diz ter como objetivo alcançar diretamente o consumidor final. “Estou muito velho para mudar minha forma de pensar. Não gosto de turistas mexendo em minhas facas ou de “novos ricos” que aqui chegam e querem ir logo comprando meia dúzia de facas. Gosto mesmo é de lidar com especialistas, com aqueles que sabem dar valor a um trabalho feito com qualidade, como alguns chefs de cozinha. O Pierre, por exemplo, chef do Oriente Express, envia sua faca de seis em seis anos para ser afiada”. Os clientes de Russo estão espalhados pelo mundo. Existem famílias européias que compram as Facas Burza há mais de 100 anos.

Com as mãos entrelaçadas e apoiadas sobre a barriga, movimentando os dedos em círculos sem parar, zomba, contando por que decidiu casar com sua mulher. Ela lhe perguntou o que fazia, e quando ele respondeu ser faxineiro, ela não riu, nem reagiu com a piada. Tratou-o do mesmo jeito. Hoje a mulher e os filhos o ajudam nos negócios. “Eles aprenderam que o tempo de feitura de cada faca é o necessário. Aqui não existe tempo. Quando se mede o tempo, pode vir a pressa e aí a qualidade cai”. O importante para Russo é que a faca chegue pronta a seu cliente. E claro, que a tradição iniciada em 1692 siga adiante com seus filhos.


Facas Burza

Rua do Chafariz, 90 / Tel. (32) 3355-1561 / Tiradentes - MG.

A visita deve ser agendada previamente.


Curiosidade

Segundo o Dicionário-Almanaque de Comes e Bebes, de Cláudio Fornari, a faca é um “instrumento cortante de mesa e de cozinha, e às vezes de cintura ou de cava de colete, quando então é chamado de arma branca. (...) As primeiras eram feitas de sílex, na pré-história, e hoje são fabricadas até com aços especiais, que cortam indiferentemente tomates e canos de chumbo. No começo foi instrumento de caça, e somente saiu da bainha para a mesa, como talher, no século XV, antecedendo a difusão do garfo. (...) Cronistas do século XVIII contam que a faca de mesa teria ganho a ponta arredondada por iniciativa do cardeal Richelieu (1585-1642), que não agüentava mais ver seus comensais palitarem os dentes com a ponta da faca após as refeições”.

7 comentários:

Unknown disse...

Acabei de sair de uma visita ( agendada) a 'Facas Burza'. Eu e minha família estávamos super animados para conhecer essas peciosidades. Entretanto fomos extremamente mal tratatos por um senhor que, depois de 15 minutos nos constrangendo com sua postura de impaciência, nos convidou a 'comprar pela internet' - praticamente nos mandando embora.
Li aqui esse comentário sobre não gostarem de turistas e etc...Meu irmão estava ansiosíssimo para conhecer a fábrica e ganhar sua primeira faca (ele tem 19 anos e adora culinária). Desistimos da compra, ficamos desapontados e acho que essa postura arrogante do senhor que nos atendeu não se justifica. Enfim, se você não é um cheff de cozinha, um jornalista, ou alguém que tenha um título que demonstre que você 'vale a pena' para essa empresa, não perca seu tempo: compre pela internet. Te poupará o desprazer da visita. Aliás, se menosprezam o público que não pertence a uma elite de 'connoisseurs', era melhor tirarem a placa que fica na entrada, dizendo que agendam visitas. Lamentável. NÃO RECOMENDO.

Rusty Marcellini disse...

Oi Fernanda,
Entendo perfeitamente suas palavras. Quando lá estive pela primeira vez, foi só com muito custo que consegui falar com o Russo. Realmente parece que ele é uma daquelas pessoas difícies que a gente precisa conquistar a confiança antes dele começar a falar. E depois, aí sim, passa a ser encantador e interresante. Mas primeiro é preciso passar essa primeira barreira. (desculpe a comparação, mas mais ou menos como aquelas garotas difíceis que a gente passa anos tentando conquistar, até que quando não dá mais bola, aí é ela que quer te conhecer).
Um abraço,
Rusty.

Sergio Alexandre de Menezes disse...

A quem interessar possa...

Conhecí o Russo um dia desses. Foi exatamente numa sexta-feira, 02 de setembro. Talvez pelo fato de tê-lo conhecido fora de seu ambiente de trabalho, não passei pelo constrangimento de ter que agendar uma entrevista comercial com ele. Sou músico, e ele adora percussão. Já deu para perceber que o nosso papo "deu liga". Conhecí uma pessoa adorável! Sua vitalidade esconde o peso de seus quase 70 anos, e isso deve ser muito bem considerado. Suas facas são o que existe de melhor no mundo inteiro, e as compras via internet são, realmente, a melhor forma de adquiri-las. Depois do advento da informática, ficou fácil ser dono de uma autêntica faca Burza. Quanto ao Russo, melhor deixá-lo à mercê de seus próprios talentos. Quem ganha, no final, somos nós.


Sergio A. Menezes
Juiz de Fora - MG

Ricardo P. Spreafico Braga - RJ disse...

Sou cliente do Russo e depois que comprei minha primeira faca com ele ficou muito mais difícil optar por outra.
Não havia agendado visita pois resolvi visitar ao ver a placa na estrada. O Russo me recebeu com cara de poucos amigos e eu entendo, muitos curiosos devem visitálo somente para ver e o tempo dele é ocupado por visitas agendadas e o trabalho em si. Porém, depois de perceber minha paixão por facas ele se mostrou muito atencioso e me contou histórias que ficarao guardadas na minha memória, juntamente com as peças Burza que possuo.
Sou colecionador e fui "forçado" a comprar 2 facas do mesmo modelo em uma ocasião, fiquei deslumbrado com a qualidade do produto e não queria colocar para uso uma peça especial da coleção, acabei comprando duas iguais e estou muito satisfeito.

Anônimo disse...

Deu azar!

Não comprei nada e batemos um longo papo! Inclusive sobre o problema do Brasil ser a permissividade.

Experimentei espadas, arcos...foi fantastico!

MAM

Unknown disse...

Gostaria de parabenizar o pequenino russo pelo magnifico trabalho em sua arte cuteleira, só gostaria de lembrar que a loja hoje situa-se no residencial parque dos bandeirantes em Tiradentes - MG. A vila russa construida nos mesmos moldes da época é de cair o queixo, recomendo a visita

Anônimo disse...

Hoje tivemos o prazer de conhecer o Russo, uma pessoa sensacional e um artista da cutelaria, alem de ser um gênio da metalurgia. Com suas historias, o Russo consegue nos entreter e o tempo para, a propriedade e algo surreal com uma arquitetura pouco convencional e uma decoração que nos remete a idade media com espadas, lanças, punhais e moveis macicos. Vale a pena conferir, mas lembre-se curiosos não sao bem vindos, mas pessoas interessadas e com conhecimento sao tratadas com uma cortesia e atenção excepcionais.