8.10.10

Simplicidade que encanta

Abaixo, as colunas de 01 e 08 de outubro de 2010 escritas para o jornal O Tempo.


Simplicidade que encanta


Sempre acompanhei de longe o trabalho de Roberta Sudbrack, chef-proprietária do restaurante que leva o seu nome no Rio de Janeiro. Caso o leitor não saiba, Roberta comandou a cozinha do Palácio da Alvorada durante o mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tem dois livros publicados, e já abocanhou diversos prêmios de gastronomia, entre os quais o de “Chef do Ano” pelo guia Quatro Rodas 2010. Mas minha admiração pela chef se deve, principalmente, pela sua capacidade de maravilhar os comensais com aquilo que é o mais simples. A cada ano, Roberta elege um ingrediente que costuma ser desprezado por muitos e o eleva a patamares de finíssima iguaria. Foi assim com o quiabo, o chuchu e a banana.


Também me encanto com a visão que Roberta possui do mundo da gastronomia. Em seu blog (http://robertasudbrack.com.br/blog/), ela compartilha: “nunca acreditei numa cozinha que despreza a conexão com o afeto. Cozinhas muito tecnológicas nunca me encheram os olhos. Tenho até medo daquelas cozinhas que só tem bancadas de aço inox, uma do lado da outra, gosto mesmo é de fogão à lenha. (...) Dentre as [coisas na vida] que continuam firmes, felizmente estão as minhas convicções. Algumas um tanto quanto ultrapassadas para um mundo gastronômico que ainda se deixa impressionar por espumas, receitas sem estrutura, fumaças alucinógenas e shows de pirotecnia que muitos insistem em acreditar serem necessários para uma experiência completa”.


Meses atrás, fui surpreendido com a postagem “Chorar de Alegria” (http://robertasudbrack.com.br/blog/2010/06/chorar-de-alegria/) no blog da Roberta: “Tem coisa mais gostosa do que chorar de alegria? Chorei tantas vezes que perdi as contas. Chorei de alegria a primeira vez que cozinhei para a Fernanda Montenegro. Chorei de alegria – horas! – quando o Presidente da Itália além de me aplaudir de pé, comparou um dos meus jantares no Palácio da Alvorada a um banquete renascentista. (...) Chorei de alegria quando visitei a casa de Pablo Neruda em Santiago do Chile. Chorei de alegria quando vi o meu primeiro pôr do sol na Grécia. (...) Chorei de alegria quando assisti a esse vídeo: http://eaturl.info/jng7. Mais do que isso, chorei de saudades. (...) Choro muito facilmente de emoção, mas de alegria, só quando os cinco sentidos são atingidos”. Minha surpresa se deu porque o vídeo a que ela se referiu fora realizado por mim.


Imediatamente contatei Roberta para lhe contar o quanto havia ficado feliz por tê-la emocionado com o vídeo que aborda a história da Mercearia Paraopeba, em Itabirito. Ela disse que pretendia em breve visitar a mercearia e conhecer os personagens mostrados na narrativa. E me convidou para acompanhá-la na viagem.


Na semana passada, Roberta veio a Minas junto de Andréa, amiga e assessora, Ivonete, assistente e companheira de fogão, e Yuri, cinegrafista que registraria o passeio. Encontrei a turma em frente o trevo do Alphaville e seguimos para Itabirito. Lá, apanharíamos Roninho, o dono da Mercearia Paraopeba que seguiria conosco.


Dias antes, a pedido de Roberta, Roninho e eu criamos um roteiro de visita a alguns dos fornecedores da mercearia. Decidimos levá-la a São Bartolomeu para provar os doces do Seu Vicente feitos em imensos tachos de cobre, a Amarantina para conhecer o fubá da Dona Virgínia moído num centenário moinho d’água, e a Cachoeira do Brumado para ver Carlinhos tornear suas panelas de sabão em tamanhos diversos.

Ao chegarmos à Mercearia Paraopeba, destino inicial localizado no centro de Itabirito, esticamos as pernas e fomos conhecer o carismático Roninho. O dono da venda nos recebeu de braços abertos em meio a balaio com mandiopã, gamela com farinha de milho flocada, saco de aniagem com feijão carioquinha, e barra de goiabada embrulhada em folhas de bananeira.


Após um tempo curtindo a prosa de boas vindas, Roberta se encantou com um majestoso galo de nome Chanteclair que ocupava uma gaiola do lado de fora da mercearia. Somente fomos embora depois dela ter clicado várias fotos do animal que simboliza a França. Mas antes de seguirmos viagem, fomos saborear o quitute mais representativo da cidade onde nasceu Telê Santana: o pastel de angu.




Na lanchonete Xodó da Terra, em frente à bem cuidada praça da estação ferroviária, provamos e aprovamos pastéis de angu recheados com carne moída, queijo, e frango. Porém, antes de pagarmos a conta, fomos surpreendidos com a presença inesperada de um visitante: Chanteclair enrolado em jornal como se fosse um buquê de flores. A senhora que carregava o galo, dona da lanchonete, nos contou que ele seria o “ingrediente principal” do galopé – um ensopado tipicamente mineiro feito com carne de galo e pé de porco - que prepararia logo mais. Roberta, que desconhecia a receita e o fato de Chanteclair estar à venda na mercearia com o intuito de terminar na panela, se mostrou indignada.


Na tentativa de evitar que o ostentoso animal fosse parar no estômago de alguém, a chef ofereceu à dona do galo o dobro do valor que ela pagara. Nada feito. Roberta propôs um bocado mais de reais. Novamente, proposta recusada. Foi somente com a entrada de Roninho na negociação que Chanteclair mudou de mãos. O dono da Mercearia Paraopeba prometeu que, além de reembolsá-la, ele conseguiria um outro galo. Com o acordo firmado, saímos em busca da ave alternativa pelos terreiros de Itabirito. Conseguimos encontrar um magrelo galo índio no quintal de um funcionário de Roninho. Após a captura, deixamos o “ingrediente” em um açougue e, por fim, seguimos viagem. (Nota: Chanteclair foi parar no terreiro de Seu Juca, pai de Roninho, que prometeu a Roberta cuidar do galo até sua morte por velhice.)


No pequeno vilarejo de São Bartolomeu, um distrito de Ouro Preto, batemos à porta da casa de Seu Vicente e Dona Serma. Eles nos esperavam para mostrar a goiabada cascão sendo feita em um imenso tacho de cobre sobre fornalha à lenha. O doce é, aliás, um patrimônio imaterial do município de Ouro Preto. Em seguida, servimos o almoço diretamente no fogão à lenha de Dona Serma. No cardápio, arroz, feijão batido, angu, ovo caipira frito, folhas de mostarda refogada, e carne de porco com umbigo de banana. Estava “uma maravilha!”, palavras minhas divididas por Roberta.





Na manhã seguinte, após o delicioso café da manhã na Pousada São Bartolomeu, que incluiu suco de laranja espremida na hora, frutas, queijo minas, pão de queijo caseiro, bolo de fubá, geléia de goiaba e doce de leite, partimos para a pequenina Amarantina. Lá, conhecemos Dona Virgínia e seu centenário moinho d’água. Tão logo chegamos ao local, nos deparamos com um quintal repleto de árvores frutíferas. Com a permissão da anfitriã, apanhamos limão capeta no pé e admiramos uma horta repleta de ervas e jabuticabeiras em época de floração. Minutos mais tarde, Dona Virgínia demonstrou como se faz o fubá em moinho d’água e coroou a visita com café coado na hora, queijo e bolo de fubá.



Nosso próximo destino foi Cachoeira do Brumado, onde conhecemos Carlinhos e suas panelas de pedra sabão. O artesão fez questão de nos ensinar como os gigantescos blocos de pedra se transformam em rústicas panelas de tudo que é tamanho. Ele nos explicou que, antes de ir ao fogo, a panela tem que ser “curada” em forno bem baixo besuntando-a com gordura. Depois, deve-se enchê-la com água misturada com fubá para tirar o gosto do óleo.



O término do passeio culminou com a visita ao esplêndido sítio de Roninho, situado no sopé da Serra do Capanema, nos arredores de Itabirito. Ele e sua esposa Adriana nos acolheram com uma mesa repleta de iguarias. Tudo estava tão agradável que eu parecia vivenciar um desses momentos mágicos que fica registrado na memória para o resto da vida. Foi difícil me despedir de todos e retornar para Belo Horizonte. No caminho de volta, lembrei de palavras lidas no blog da Roberta: “continuarei a falar sobre intimidade e convivência, porque acho duas coisas fundamentais na vida e na gastronomia”.


Depois da viagem ao lado de Roberta, Andrea, Ivonete, Yuri e Roninho, quem chora de alegria sou eu. Pois percebo que não é preciso muito para estar de bem com a vida. Basta se encantar e se deixar comover por aquilo que é simples.

Um comentário:

Celina disse...

" Acompanho vc e a Roberta nos blogs, twitter, mídia. Gosto muito dos pensamentos, palavras e ações, rss