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Coluna Gastrô - Jornal O Tempo - 13.08.2010

Ode ao molho pardo


Na coluna anterior, escrevi que os legisladores estão querendo proibir o uso do tacho de cobre na doçaria mineira. Pois bem, outra receita típica da culinária de Minas Gerais corre o risco de extinção por causa de insensatas regras sanitaristas: o frango ao molho pardo.


Em reportagem da Folha de São Paulo de 22 de julho, a jornalista Luiza Fecarota descreve a dificuldade em encontrar frango ao molho pardo nos restaurantes paulistanos. Percebo que situação semelhante ocorre em estabelecimentos de outros grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e Brasília. A matéria de Fecarota alerta que "a tradição [de comer frango ao molho pardo] está ameaçada: não há sangue certificado disponível. Quem vende o produto [em São Paulo] está ilegal. Não há lei que proíba a venda, mas há a exigência de registro no Sistema de Inspeção Estadual comprovando que o procedimento (caro e delicado) está regularizado. Esqueça a alternativa de comprar a galinha viva e abatê-la. É proibido, segundo a Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado (SP) (...) segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o transporte [de sangue de frango] de um Estado para outro também é ilegal: o órgão não registra "sangue de ave para fins comestíveis, apenas para industrialização".


Dias atrás conversei com Elza Nunes, filha de Dona Lucinha e proprietária de restaurantes de comida mineira em São Paulo. Ela me contou que devido às leis municipais se viu obrigada a retirar o frango ao molho pardo do cardápio da filial do restaurante Dona Lucinha que existe na capital paulista. Outra chef que também não serve mais o prato é Mara Salles, do Tordesilhas, um dos mais aclamados restaurantes de comida brasileira do país. Ela revela que serviu o molho pardo durante anos, mas recentemente o excluiu para não ter que operar na ilegalidade.


O sociólogo Carlos Alberto Dória escreveu em seu blog E-Boca Livre que a irracionalidade sanitarista pode levar a clandestinidade um produto que pertence à cultura nacional. “A proibição, em vez de propiciar um abate assistido, em equipamentos sanitizados, produz o efeito contrário: o abate e coleta do sangue em situação de clandestinidade estão muito mais sujeitos a contaminação por salmonela – parecendo que o propósito da vigilância sanitária é esse mesmo, o que provaria por absurdo a sua tese "preventiva". A classe média é preventiva”, explica Dória. “Em vez de controlar riscos, prefere não corrê-los de forma alguma, mesmo que a custo de suprimir o prazer ali aninhado”, completa o sociólogo.


Felizmente, como belo-horizontinos, somos privilegiados de termos em nossa cidade um restaurante que é sinônimo de frango ao molho pardo: o Maria das Tranças, que desde 1950 serve o prato acompanhado de angu, quiabo e arroz branco. O que poucos sabem é que no local, além da infra-estrutura que comporta 120 mesas, também acontece o abate do frango. Talvez seja um dos raros estabelecimentos do país que possui tanto um alvará para abate de aves e preparação de subprodutos do abate quanto um para o funcionamento de restaurantes e similares.


A obtenção de ambos os alvarás só foi permitido porque o restaurante, por ser vizinho da UFMG, fica dentro de uma Zona de Grandes Equipamentos (ZE). Explico: o município de Belo Horizonte é dividido em zonas de acordo com as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor conforme análises potenciais de adensamento e as demandas de preservação e proteção ambiental, histórica, cultural, arqueológica ou paisagística. Somente empresas que ficam dentro de uma ZE, que geralmente abriga indústrias, podem receber um alvará para abate de animais.


Ricardo Rodrigues, atual proprietário do restaurante e neto da fundadora Maria Clara, faz questão de preservar a rica tradição do passado, mas sem esquecer que agora os tempos são outros. Se antigamente a casa de fazenda de Dona Maria recebia clientes que apontavam no quintal o frango que queriam comer, hoje a empresa recebe mais de duas toneladas e meia de aves vivas por semana. Especialista no assunto molho pardo, Ricardo sabe que para fazê-lo com qualidade é essencial que o sangue seja fresco, jamais congelado. Só assim terá brilho, cremosidade e coloração marrom-caramelada.


Pena que seja um privilégio dos belo-horizontinos encontrar um restaurante que sirva um gostoso frango ao molho pardo. Espero que, em curto futuro, paulistas e cariocas também possam prová-lo em suas respectivas cidades.


Restaurante Maria das Tranças

Rua Estoril, 938.

Bairro: São Francisco.

Belo Horizonte - MG

Tel: 3441-3708


Filial:

Rua Professor Moraes, 158.

Bairro: Savassi.

Belo Horizonte - MG

Tel: 3261-4802.




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