25.7.10

Coluna Gastrô - Jornal O Tempo - 04.06.2010

No dia 04 de junho de 2010, estreei como colunista do jornal O Tempo. Semanalmente, às sextas-feiras, a coluna será publicada no Gastrô online e poderá ser acessada atraves do site www.otempo.com.br/gastro.

Durante a semana, irei publicar dicas e comentários sobre gastronomia em diversas seções do Gastrô online, como "Provei e Aprovei", "Gôndolas" (sobre iguarias encontradas nos supermercados), "Abriu/Fechou" (o que foi inaugurado ou fechado em BH), "Estante" (sobre publicações de gastronomia), etc.

Abaixo, reproduzo minha coluna inaugural na íntegra (que também pode ser lida na página do jornal clicando aqui).



De volta a São Gonçalo

Em 2004, tive o privilégio de percorrer toda a extensão da Estrada Real: de Diamantina a Paraty pelo Caminho Velho e do Rio de Janeiro a Ouro Preto pelo Caminho Novo. Na época, pesquisava histórias de pessoas que trabalham com gastronomia para o meu primeiro livro, "Caminhos do Sabor - Estrada Real". Entre as dezenas de cidades e pequenos vilarejos que passei, guardei um carinho especial por São Gonçalo do Rio das Pedras. Fiquei encantado com a rotina pacata de seus moradores e o bucolismo de suas ruas de pedras e largos com casarios e igrejas coloniais. Quando fui embora dessa cidadezinha que lembra um presépio, jamais imaginei que demoraria tanto tempo até um retorno.


No mês passado, finalmente, voltei a São Gonçalo do Rio das Pedras. Numa sexta-feira de manhã, deixei Belo Horizonte pela BR-040 em direção a Brasília. A primeira parada gastronômica foi no tradicional Leite ao Pé da Vaca, que fica logo depois de Paraopeba. Lá, pedi um café com leite bem escuro, um pedaço de queijo trancinha derretido na chapa, um pão de queijo e um pedaço de linguiça. Gostei de tudo. Minutos mais tarde, já seguia na BR-135 em direção a Curvelo e, depois, na BR-259 até Diamantina. Quando passei pela cidade de Gouveia, avistei coloridas barracas às margens da estrada que vendiam pimentas em conserva, mel e frutas. Imediatamente, estacionei o carro para tirar fotos e comprar mexericas.

Quando em Diamantina, segui a recomendação dos amigos Carlos Paulino e Augusto Franco e fui almoçar no restaurante Al-Árabe. Localizado nas proximidades do Mercado dos Tropeiros, o local possui pé direito baixo e ambiente simples, mas aconchegante. O cardápio, especializado em comida árabe, oferecia esfihas de carne, de coalhada seca, de espinafre, quibe cru, homus, bolinhos de falafel, babaganouch, tabule, arroz marroquino, kafta, e outras delícias. Para começar, pedi esfihas de carne, de coalhada seca e de espinafre. Ao prová-las, meu veredicto: as melhores esfihas que já provei em minha vida. Depois, junto de minha esposa, provei quibes e uma porção de babaganouch e homus com pão sírio. Tudo delicioso.


Antes de deixar o antigo Arraial do Tejuco em direção a São Gonçalo do Rio das Pedras, descobri outras duas preciosidades: a delicatessen Athenas do Norte, que vende chás de pêssego com baunilha, cervejas artesanais, chocolate meio amargo e outras iguarias difíceis de encontrar em cidades do interior; e o Espaço B Café, que combina livraria e cafeteria com cardápio de drinques com espresso e bolos caseiros.


Os trinta e poucos quilômetros de estrada de terra (ou melhor, de cascalho) que separam Diamantina de São Gonçalo do Rio das Pedras são para serem curtidos, não percorridos. É um trecho da Estrada Real que pede inúmeras paradas para fotografias. O percurso até São Gonçalo cruza a formação rochosa da Cadeia do Espinhaço, riachos sob pontes antigas e vegetação de árvores peladas e cactos de diferentes formatos.


Uma placa de boas-vindas situada às margens da estrada anuncia o vilarejo de São Gonçalo do Rio das Pedras. O distrito que pertence ao Serro foi construído ao redor de uma igrejinha branca e azul, a Matriz de São Gonçalo, datada de 1787. Outros atrativos locais incluem o largo Félix Antônio, moinhos de pau-a-pique centenários, a igreja de Nossa Senhora do Rosário, além de inúmeras cachoeiras no entorno. Há ainda uma boa infra-estrutura para os turistas, com pousadas para pessoas de diferentes bolsos e personalidades. A Pousada Refúgio dos 5 Amigos é ideal para viajantes, solitários ou não, que queiram gastar menos. A Pousada Mirante do Vale é recomendada para casais com filhos e oferece piscina. A Pousada do Pequi é adequada aos hóspedes que desejam a privacidade de chalés individuais.


Já a Pousada do Capão é perfeita para quem gosta de comer bem e sabe que uma boa conversa é melhor do que qualquer programa de televisão. Digo isso porque um dos diferenciais da pousada é justamente a ausência de televisores. Em compensação, há ótimos livros; muitos deles, de culinária.


Quem recebe os turistas na Pousada do Capão é o casal Peter Edwards e Márcia Barbosa, proprietários do local. Com hospitalidade singular, os dois fazem questão de deixar os hóspedes bem à vontade. Por exemplo, perguntam as preferências gastronômicas de cada um, pois o jantar está incluso na diária. Em pouco tempo de conversa com Peter, percebi que ele é um expert na cozinha, tendo já trabalhado em diversos restaurantes nos Estados Unidos, seu país de origem. Peter conta que adora pratos da cozinha conhecida como "confort food"; ou seja, aquela cujos pratos remetem a sentimentos de apego, de infância, dos dias na casa da vovó. Assim, durante o jantar, provei um filezinho suíno (ou lombinho) com molho de tomates frescos e ervas, purê de mandioquinha e fatias de abobrinhas grelhadas. Tudo simples e muito saboroso. De sobremesa, havia doces caseiros de laranja e de mamão em calda acompanhado de queijo do Serro. E para fechar a noite com chave de ouro, licores de jabuticaba e de banana.

Depois de uma silenciosa noite de sono e preguiçoso despertar, o café da manhã me conquistou de vez. Havia suco de fruta natural, coalhada com mel, frutas, bolos, pães, frios, pão de queijo, geleias: tudo feito na cozinha da pousada. Ao longo do dia, regado com muito papo sobre gastronomia com o casal dono da pousada, saboreei também algumas das iguarias que Peter gosta de inventar, como geleia de hibiscus e sorvete de limão com coentro. Márcia ainda me contou que, uma vez por mês, eles realizam um almoço aos domingos com pratos da culinária dos países colonizados por Portugal, como Angola, Moçambique e outros.


Além da soberba comida da Pousada do Capão, São Gonçalo oferece outras opções de gastronomia para os visitantes. Uma delas é a tradicional batata frita com alho. O tira-gosto consiste em uma imensa gamela de madeira com uma montanha de batatas chips com lâminas de alho cru. Depois de começar a comer, é difícil parar antes de acabar. A porção pode ser encontrada no Bar do Ademil, no Bar do Pescoço e na Padaria. Porém, há dois percalços: a longa demora em fazer o tira-gosto e o aroma do alho que irá perdurar por horas a fio.

Outra peculiaridade gastronômica do vilarejo é a "cachaça com desculpas", que consiste em garrafas de aguardente com raízes que, teoricamente, possuem valores medicinais. Segundo a farmacopéia etílica dos bares locais, como o do Ademil, a cachaça com cipó trindade é o "viagra da natureza". A cachaça com cravinho da serra ajuda a depurar o fígado e a com rosa branca é ideal para quem tiver com diarréia e, acreditem, sapinhos na boca.

Antes de ir embora de São Gonçalo, prometi a mim mesmo que jamais demoraria outros seis anos para um retorno. Quem sabe não volto às vésperas do feriado de Finados, quando acontece a 5ª edição do Festival de Frango Caipira? Ou então, em maio de 2011, quando provavelmente ocorrerá o 2ª Festival de Tira-Gostos do vilarejo? Pois, em um lugar como esse, a Minas de antigamente ainda existe.

Serviço:

Al-Arabe Café e Restaurante
Praça Dr. Prado, 124.
Tel. (38) 3531-2281.
Diamantina - MG.


Pousada do Capão
Rua da Nascente, 550.
Tel: (38) 3541-6068.
São Gonçalo do Rio das Pedras - MG.

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