5.11.09

Que saudade dos chapeiros de São Paulo!

Morei em São Paulo por alguns meses entre 2002 e 2004. Dentre as melhores memórias que tenho desta época, muitas estão relacionadas às manhãs que tomava café em padarias. É uma pena que em Beagá não exista toda a cultura entorno de uma simples padaria: observar o chapeiro trabalhando, ver o vai e vem das pessoas, comentar e assistir o jogo mostrado na TV com estranhos, ver as vitrines de doces, etc.

Dia desses, abri o jornal O Estado de São Paulo e li uma crônica deliciosa do Ignácio de Loyola Brandão intitulada "Salta um chapado com pão moreno" que me fez lembrar o quanto eu adorava ir para uma padaria, sentar no balcão, e observar os chapeiros trabalhando.

Brandão inicia sua crônica contando ser intrigado com o "o funcionamento de um restaurante entre o pedido e a comanda enviada à cozinha. De que maneira se organiza o serviço dentro da cozinha, de modo que os pratos saíam juntos para a mesma mesa, saíam na ordem em que foram pedidos, sendo que diferentes pratos pedem diferentes tempos de feitura".

Confesso que uma das coisas que mais me traz saudades dos tempos que trabalhei como cozinheiro era ver uma baqueta de comandas lotada e, com o passar dos tempos, ir vendo-a ser esvaziada. Ver as comandas serem "liberadas" em noite de "atoleiro" é o maior prazer de muitos cozinheiros.

Brandão continua seu texto falando sobre seu fascínio com o chapeiro: "me deixa perplexo e merece estudo por parte de quem se ocupa do cérebro é a função de chapeiro. Chapeiro, para quem não frequenta padarias e lanchonetes é aquele que diante de uma chapa quente faz de tudo, de sanduíches a omeletes. Se bem que não conheço ninguém que não frequente lanchonetes e padarias, símbolos da civilização moderna. [Brandão deve se referir aos paulistanos, pois basta passar alguns dias em Beagá para notar que aqui é o contrário: na capital mineira, eu desconheço pessoas que frequentem padarias regularmente para tomar seu café da manhã] Chapeiro (...) é uma categoria diferenciada. São cerca de 30 mil em São Paulo. (...) O chapeiro é um e os garçons são vários a despejarem os pedidos incessantemente. (...) O chapeiro não anota nada, acumula na cabeça. (...) ele [o Alves, o chapeiro de sua padaria] não consegue me explicar, é como memoriza os pedidos, e como saem na ordem em que entraram. (...) Esse ponto relativo à memória me assombra. (...) Como se divide o seu cérebro? Acho que é coisa para neurologista estudar, tese universitária. De que maneira os escaninhos do cérebro estão dispostos e como estruturam os pedidos contínuos, de modo a que não haja erros? (...) Porque não é o simples ato de colocar na chapa e controlar o cozimento. É algo privilegiado, que está dentro do cérebro, (...) Chapeiros. Simples sim, mas merecedores de um olhar de admiração e da neurociência".

Para ler esta preciosa crônica de Ignácio Loyola Brandão na íntegra, clique aqui.

Um comentário:

Carla disse...

Oi Rusty!
Infelizmente, devo concordar com você! Ano passado, pouco depois de me mudar para BH, em um domingo de manhã quis fazer meu programa favorito deste horário: café da manhã na padaria. Rodamos, rodamos, rodamos...Até que no fim, por acaso, achei uma padariazinha simpática em Lourdes,que mais ou menos supriu a "necessidade". Mas de fato, não há esta cultura aqui. Disso eu sinto saudades de São Paulo!