25.9.10

Coluna Gastrô - Jornal O Tempo - 03.09.2010

Os festins de Bel e Pepa em Tiradentes


Estive na charmosa cidade de Tiradentes no último fim de semana como convidado da organização do XIII Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes. Abaixo, as impressões que tive dos festins.


Na noite de sexta-feira, fui ao festim (jantar oficial do evento preparado pelo chef convidado e constituído por um menu degustação harmonizado com bebidas) de Bel Coelho, do restaurante Dui (palavra derivada do I Ching, que significa “alegria”), em São Paulo. A cozinha de Bel costuma mesclar a culinária de vários países, além de fazer a releitura de pratos clássicos. Sua proposta, conforme o site do Dui, é de oferecer uma “gastronomia inspirada e informal”.


De entrada, Bel serviu “ovo em baixa temperatura com espuma de bacalhau e farofa de paio”. Para preparar o ovo, Bel utilizou a técnica de cozimento em baixa temperatura (através do termostato Roner) que permite que a clara e a gema sejam servidos em seu ponto ideal. Gostei da combinação do ovo com a espuma de bacalhau, que me fez lembrar de Portugal, e da farofinha de paio, que serviu para dar um pouco de crocância ao prato. Em seguida, foi servido o “bobó de camarão, espaguete de pupunha, azeite de capim santo”. A Bahia se viu representada em uma receita deliciosa. Dois camarões imensos cozidos no ponto correto descansavam sobre um molho bastante aromático que representava o bobó. Ao lado, palmito pupunha em tiras cozidas al dente e combinados com um bocadinho de coentro picado. O prato principal foi uma “costela de porco em baixa temperatura, molho de gengibre, purê de abóbora, crisps de quiabo”. A carne da costela desfiava do osso, estava suculenta, e apresentava a desejada cor rosácea. O molho com toque de gengibre deu um toque oriental ao porco e casou bem com o purê de abóbora. Os crisps de quiabo, que traziam a receita de volta a Minas, consistiam em cubos do vegetal passados no fubá e fritos por imersão. A sobremesa foi uma interpretação do clássico “Romeu e Julieta”, que combinava sorvete de goiaba com goiabada mole, um gostoso creme de queijo Minas e, por cima, castanhas Macadâmia. Batizado “Herança Cultural”, o festim de Bel Coelho mostrou a generosidade da cozinha de antigamente com elegante despretensão.


Bel Coelho montando "ovo em baixa temperatura
com espuma de bacalhau e farofa de paio"
Foto: Paulo Filho


"Romeu e Julieta", por Bel Coelho
Foto: Paulo Filho



No sábado, segui para a Pousada Villa Paolucci para participar do festim “Sopros do Mediterrâneo”. O jantar estava a cargo da chef espanhola Pepa Romans, do restaurante Casa Pepa, que fica em Ondara, na região de Alicante, na Espanha. Segunda as informações do site do festival, Pepa faz “comida espanhola caseira”, e é “especialista em arrozes, (...), cozinha espanhola de produto, principalmente frutos do mar da própria região”. Confesso que, infelizmente, saí decepcionado com o festim da segunda noite, pois não vi a proposta acima ser cumprida nos pratos servidos. E mesmo que dispensasse o desejo de conhecer as especialidades da cozinha de Pepa, ainda assim confesso que os pratos provados estavam longe de ser inesquecíveis.


Para começar, foi servido de entrada “trufa de salmão marinado, wasabi e coentro”, dois bolinhos de salmão cortados em cubinhos, temperados sutilmente com raiz forte, em cubinhos envoltos em mini grãos negros de arroz. Depois, provei a “espuma de batata assada, pato, mandioca e azeite de trufas brancas”. Duas minúsculas fatias de peito de pato foram servidas sobre um purê de batata regado com azeite de trufas. O prato principal foi “peixe, tomate confit, manjericão e creme de açafrão”. O peixe (acredito ter sido robalo) estava no ponto correto, mas foi guarnecido apenas de cubinhos sem graça de tomates branqueados (e não confitados como dizia no cardápio). Pelo menos, o molho de açafrão estava bem saboroso. O melhor da noite foi a sobremesa “chocolate e maracujá”, um mousse de chocolate amargo servido com uma pequena copo com coulis e espuma de maracujá.


A decepção com o jantar de Pepa foi fortalecida no dia seguinte ao atender a aula gratuita que a cehf deu no Mercado da Cultura e Gastronomia. Na ocasião, Pepa e a filha Sole prepararam uma paella de peixe servida com aioli. Provei uma mini-porçãozinha e estava simplesmente divina. Em seguida, saboreei uma colheradinha de um caldo muito aromático com cubos de peixe e batatas que também adorei. Perguntei então a mim mesmo: por que estes pratos que simbolizam a cozinha de Pepa não foram servidos no festim? Afinal, a especialidade dela não são as receitas com arroz? Durante a aula, Pepa se divertiu contando que na Espanha os caríssimos pistilos de açafrão são colocados em saquinhos e dentro de armários de roupa para evitar o surgimento de traças. Na maioria das vezes, a sofisticação está no ato de simplificar aquilo que é complexo.


Pepa Romans montando "trufa de salmão marinado, wasabi e coentro"
Foto: Paulo Filho


O decepcionante "espuma de batata assada, pato,
mandioca e azeite de trufas brancas", por Pepa Romans.
Foto: Paulo Filho.

Nenhum comentário: