30.11.09

Vida de Escritor, de Gay Talese

Na janela batizada "Livros Recomendados" que possuo neste blog (ao lado direito desta página), há duas obras de Gay Talese: “Fama e Anonimato” e “A Mulher do Próximo”.


O autor é um de meus favoritos. Assim, quando seu mais recente livro, “Vida de Escritor”, foi lançado no Brasil, não demorei muito para lê-lo. Porém, achei-o decepcionante se comparado às suas demais obras. Concordo com o que foi dito pela imprensa especializada americana que, basicamente, o considerou uma narrativa forçada com o objetivo simplório de reunir um amontoado de trechos obras inacabadas.




Ao contrário do que muitos podem pensar, "Vida de Escritor" não é uma autobiografia de Gay Talese, mas sim um apanhado de textos não publicados de sua autoria. Filho de um alfaiate, o autor é considerado um dos pais (junto com Truman Capote e Tom Wolfe) do chamado “New Journalism”. Em alguns trechos do livro, Talese discute o ofício de escritor, suas frustrações profissionais, e confessa a dificuldade de cumprir prazos e de concentrar naquilo que está escrevendo.


Entretanto, apesar do livro não entrar na lista daqueles que recomendo, há trechos interessantes sobre sua rotina de trabalho, manias, metodologias de entrevistas, e obsessões temáticas, como:


Pg. 59:


“Creio que o contato face a face [em uma entrevista] é necessário porque desejo não somente um diálogo, como também uma sensação visual dos traços pessoais e maneirismos dos entrevistados, além da possibilidade de descrever a atmosfera do local em que se deu o encontro. Apesar de importantes, as idéias e informações obtidas dessa maneira muitas vezes custam-me quantias consideráveis em transporte e diárias de hotel, assim como jantares e vinho para as fontes – e com freqüência o que é dito e visto nessas entrevistas não contribui com absolutamente nada para o avanço do livro”.

“(...) É importante reconhecer que durante os 40 anos de minha carreira como escritor-pesquisador eu investi pesado na perda de tempo”.


Pg. 73;



“Aprendi a nunca interromper quando alguém tem dificuldade para se expressar, pois nesses momentos hesitantes e confusos as pessoas quase sempre são muito reveladoras. Aquilo sobre o que elas relutavam em falar dizia muito sobre elas. Suas pausas, suas evasões, suas repentinas mudanças de assunto eram bons indicadores daquilo que as constrangia ou as irritava, ou do que elas acreditavam ser excessivamente particular ou imprudente para ser revelado”.


Pg. 229-230:


“Vamos, rapaz, termine logo com isso! Você sabe que não está escrevendo para a posteridade”. Eu não sabia. Eu me atrasava habitualmente para entregar matérias porque as reescrevia com freqüência, acreditando que o que eu escrevia seria preservado eternamente. (...) Nós, jornalistas, na minha opinião, éramos os supremos cronistas dos acontecimentos contemporâneos, a infantaria para os historiadores. Como o tempo, no entanto, admiti a contragosto que a observação do meu colega mais velho era correta. Não escrevíamos para a posteridade”.


Pg. 388:



“Os escritores são conhecidos pela capacidade de inventar coisas que os afastem do trabalho.


Lembrei-me de uma história sobre um colega do Times chamado Meyer Berger que, depois de fazer reclamações intermináveis à mulher sobre sua incapacidade de terminar um artigo para a revista, ouvia-a declarar, uma manhã, que ela o deixaria sozinho no apartamento durante o resto do dia, trancaria a porta e levaria a chave. Ela lhe disse que quando voltasse, no fim da tarde ou no princípio da noite, esperava que ele tivesse completado o artigo, acrescentando que ele não precisava se preocupar com mais nada, pois ela já tinha feito todas as tarefas domésticas: lavara a louça do café da manhã, preparara o almoço dele, limpara o apartamento. Oito horas mais tarde, ela voltou, encontrou o marido sorrindo e aparentemente feliz por vê-la em casa. No entanto, ela descobriu que ele não tinha escrito uma única página, mas que todas as peças da prataria estavam brilhando, reluzindo sobre o aparador ou na cristaleira, recém polidas”.


Abaixo, Gay Talese escreve sobre sua paixão por restaurantes e o que neles acontecem:


Pg. 80:



“(...) meu pai muitas noites nos levava ao restaurante de um pequeno hotel em nossa comunidade, a uma pousada do outro lado da baía ou a um de seus restaurantes italianos preferidos em Atlantic City, onde normalmente éramos recebidos, atendidos e servidos de uma maneira que encerrava agradavelmente o dia.


(...)



Nos restaurantes ele [seu pai] se tornava outra pessoa, era menos distante, menos tenso, mais amável e comunicativo do que em qualquer ocasião. (...) Meu pai às vezes costurava em silêncio durante horas (...), mas quando jantava em Atlantic City (...) num grande restaurante italiano, ele alegremente e sem demora se punha a falar em italiano, cumprimentando e abraçando os donos e garçons. (...) Nesse período de minha vida eu tive dois pais: um pai de casa e um pai de restaurante. Só com este eu era feliz como filho.”


Pgs 83-91:



“(...) o fato é que passei a ver os restaurantes como extensões do proscênio, centros de imponentes entradas e saídas, palcos para cenas de costumes e improvisações, cenários de misteriosas tramas e transações obscuras, de encontros românticos ou relacionamentos ilícitos e potenciais banhos de sangue do submundo do crime e breves cenas burlescas”.

(...)

“Um jantar lubrifica os negócios”, escreveu James Boswell, mas acho que ele se referia principalmente ao almoço, já que durante o dia a dramaturgia dos restaurantes é mais metódica e menos extravagante que à noite. A hora do almoço é mais sóbria, mais regrada, mais propícia a conversas de negócios e cifras comerciais. (...) À noite, os restaurantes refletem mais plenamente a variedade de papéis que desempenham na vida das pessoas. (...) Os restaurantes são câmaras de ressonância para bisbilhoteiros veteranos como eu. Mesmo quando participo da conversa em minha própria mesa, fico ligado na conversa das pessoas próximas, participando silenciosamente de seus debates e altercações, suas confissões e reatamentos, suas piadas e fofocas, suas tentativas de sedução e seu esforço para saltar fora de envolvimentos românticos mais profundos”.


(...)



Uma noite, o maitre de Elaine Kauffman, um genovês chamado Nicola Spagnolo, (...) estava sendo atazanado por um conhecido corretor da bolsa de valores que insistia com Nicola para que lhe trouxesse a carta de vinhos, ou a carte du vin, como ele fazia questão de dizer.

“Eu já lhe disse, não temos uma carte du vin aqui”, bradou Nicola depois de ter explicado que a seleção de vinhos do Elaine’s era pequena demais para comportar uma carta.

“Ah, tenho certeza de que há uma carte du vin perto do bar”, retrucou o homem. “Vá até lá e pegue ela para mim”.

Nicola virou-se e dirigiu para a frente do salão. Retornou trazendo um catalogo telefônico de Manhattan, com 1500 páginas. Depois de jogá-lo na mesa diante do corretor, anunciou: “Aqui está sua carte du vin!”


(...)



No segundo ano de atividades do Elaine’s, um conhecido marchand levou para lá alguns de seus amigos, sentou-se e pediu para Nicola uma taça de vinho rose. Sem admitir que Elaine não tinha se dado ao trabalho de abastecer o bar com rosé, Nicola encheu quase até a boca uma taça com vinho branco, adicionou um pouco de vinho tinto, mexer energeticamente com uma colher e levou-a à mesa do marchand, que ergueu o copo e cheirou-o.

“Ah, muito bom, muito bom. Que vinho é?”

“Balaggola”, respondeu Nicola, dizendo a primeira palavra que lhe veio à cabeça.

“Ah, é mesmo, Balaggola”, respondeu o homem procurando demonstrar conhecimento.

(...)



“O mais difícil não é cozinhar”, escreveu Orwell, “mas fazer tudo a tempo”; e acrescentou: “É por sua pontualidade, e não por nenhuma superioridade técnica, que os restaurantes preferem cozinheiros a cozinheiras”.


(...)



“Os ingredientes essenciais de todos os restaurantes são esperança, confiança e otimismo. A esperança de que as pessoas gostem do que é servido. A confiança em que mais tarde paguem a conta. E o otimismo de se supor que o investimento seja compensador e recompensador, trazendo satisfação não somente aos donos do restaurante mas também a todos os outros envolvidos – garçons e barmen, fornecedores de alimentos, toalhas, velas e música, bem como varredores de migalhas da mesa depois do jantar”.


E a seguir, um trecho de algo em que Gay Talese é um mestre: a descrição bem feita de uma pessoa.


Pg. 391:


“Hereford era um homem magro, de fala mansa e cabelo claro, com trinta e poucos anos, cuja testa pálida era só um pouquinho mais escura que o chapéu de linho branco que descansava sobre ela. Como se quisesse dar distinção a um rosto que de outra forma seria comum, ele o dotara de barba e bigode à Van Dyck. A jaqueta de linho branco era imaculada e quase sem rugas, e o chapéu de topo achatado que usava mais parecia um barrete turco do que o chapéu mole de copa alta usado pela maior parte dos chefs que conheci”.

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