Pensei então imediatamente em Catas Altas (no interior de Minas, pertinho da Serra do Caraça) e no seu vinho feito de jabuticabas (bem adocicado e, portanto, quase um licor). Publico abaixo duas histórias sobre esta simpática e pequenina cidade mineira.
Catas Altas, no interior de MG.
O Vinho de Jabuticabas
por Rusty Marcellini
Em outubro de 1949, Maria Machado de Souza, recém-casada com Tarcísio, passava dias de descanso na fazenda do marido. Por ser época de jabuticabas, ela aproveitou a oportunidade para fazer um licor com a fruta para presentear o sogro, o senhor Anastácio Antônio de Souza. O licor, especialidade de Dona Maria Machado, era uma saída para aproveitar as frutas que estragavam em poucos dias.
Para ela, era uma surpresa que ninguém conhecesse a bebida. A partir daí, o sogro teve a idéia de fazer um vinho usando jabuticabas ao invés de uvas. A idéia deu certo. Hoje, os filhos de seu Anastácio (Tarcísio, Nereu, Gercina, Eulália e Neli) produzem e comercializam o vinho de Jabuticaba, uma tradição em Catas Altas.
- Nota: Para visitas ao Museu do Vinho, localizado junto à casa do senhor José Hosken, deve-se contactar a Secretária de Cultura e Turismo de Catas Altas.
O vinho Mineiro Premiado em Paris
por Rusty Marcellini
No final do século XIX, padre chega a um arraial decadente devido à escassez do ouro. Munido de idéias revolucionárias, levanta a moral do povoado ao incentivar a produção de vinho em plena Minas Gerais. Após o vinho ganhar respeito e prestígio junto aos viticultores europeus, empresas mineradoras se instalam na cidade, causando prejuízos aos produtores de vinho e devolvendo a cidade à miséria.
Por volta de 1694, na região aonde se encontra hoje a cidade de Catas Altas, se deu a descoberta do ouro. Inicia-se, assim, a incessante exploração do minério. Em 1816, Saint Hilaire, em seus escritos, comenta a decadência do arraial, aconselhando a população trocar a exploração do ouro pelo ferro.
Em 1868, chega em Catas Altas o Monsenhor Manuel Mendes Pereira de Vasconcelos para ser o vigário do arraial. Logo percebe o estado lastimável em que se encontrava o lugar, além do abatimento moral estampado nos rostos dos poucos moradores que ainda não haviam emigrado. O padre nota a ausência de qualquer forma de cultura de subsistência. Milho, arroz, feijão, toucinho, tudo é provido pelos tropeiros.
O vigário chega a conclusão de que, além da escassez do ouro, as causas de tamanha decadência foram as ações assistencialistas que criaram uma perniciosa acomodação ao distribuir tudo que a população necessitava com hora e local marcado. Monsenhor Mendes acreditava que, para provocar mudanças drásticas, era necessário educar as pessoas, ensinar a cultura de subsistência e desenvolver o conceito da vida em comunidade.
O vigário inicia seu trabalho expondo às pessoas a importância e a necessidade do arado, seja ensinando como fazê-lo ou mostrando como lavrar a terra com uma junta de bois mansos.
Vendo que a situação da comunidade já melhorava, pois o povo já colhia o fruto do trabalho sem ter que pedir esmola, o vigário começa a analisar o clima. Logo pensa ser possível produzir até mesmo o vinho que necessita nas missas ao encontrar, na casa de um amigo, uma muda de videira americana. Monsenhor Mendes ensina ao povo como plantar as videiras, as épocas das podas, das colheitas, como esmagar as uvas, o período de fermentação, o armazenamento adequado para não acontecer nenhuma alteração. E assim, o vigário conseguiu que a produção do vinho de Catas Altas aumentasse cada vez mais, sempre com melhor qualidade.
Em 1884, Monsenhor Mendes publica um manuscrito com “as noções úteis ao fabricante de vinho”, contendo informações sobre o feitio da bebida, as diferenças dos vários processos empregados, e a prevenção junto ao fabricante contra práticas que podem estragar o vinho. O padre acaba ganhando a mídia nacional e faz Minas Gerais sair do anonimato na produção de vinhos. O vinho de Catas Altas era comparado por autoridades no assunto com o Porto e o Xerez.
Monsenhor Mendes se torna um conhecido viticultor, sempre defendendo a videira americana e a qualidade do vinho produzido em Catas Altas. “Confrontada com a videira Laprusca, explorada pelos europeus, a nossa videira americana, espalhada em tanta profusão por estas Catas Altas, será sempre a preferida por muitas razões. A sua uva uma vez que esteja perfeitamente madura e, embora produzida pelas videiras muito próximas a seu estado selvagem, é notada pelo cheiro balsâmico e pelo sabor muito agradável e pronunciado”, anotou o padre.
A produção do vinho colaborou para que a população elevasse sua auto-estima. Uns plantavam as videiras, outros fabricavam o vinho, outros comercializavam o produto, numa cadeia em que o dinheiro girava e todos saíam ganhando.
Mesmo após o falecimento do padre – fato que causou grande tristeza junto à população – a produção do vinho continuou prosperando. Até que em 1923, os fazendeiros Carlos Arthur Hosken e a esposa Maria Magdalena Pereira da Cunha Hosken tiveram seus vinhos premiados em Paris, ganhando destaque no cenário mundial.
Após a premiação do vinho da família Hosken, ocorreu a chegada de empresas mineradoras na região. Iniciou-se uma nova fase de desenvolvimento em Catas Altas, fazendo que muitos abandonassem o cultivo da uva em busca do sonho do dinheiro fácil. Os poucos que continuaram a produzir vinho preferiram usar a jabuticaba, pois as árvores existiam em quase todos os quintais e frutificavam em abundância, não necessitando de muitos cuidados.
Evidentemente, a época das mineradoras durou poucos anos. Com a produção de vinho já decadente, mais uma vez, a população de Catas Altas voltava à miséria.
E muitos em Catas Altas ainda indagam se tudo isso é verdade.
Museu em casarão histórico de Catas Altas
2 comentários:
Caro Rusty,
Faço geléia e licor de jabuticaba com receita de minha avó Mocinha. Faço tb vinagre balsâmico de jabuticaba em Catas Altas. Aprendi a fazer com meu tio no Catana, em Itabirito. QQ dia envio uma garrafa de degustação para vc, que escreve sobre a terra de meus pais, Itabirito, e sobre a terra de minha roça, Catas Altas!
Prezada Nina,
Vinagre balsâmico de jabuticaba? Que barato! Imagino que deve ser uma delicia com uma salada de folhas verdes!
Fico feliz de saber que as terras de seus pais e a sua sejam cidades tão encantadoras.
Abração,
Rusty.
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