Sou fã da revista Piauí.
Uma de suas seções é o "Grande Concurso Literário". Abaixo, as regras extraídas diretamente das páginas da revista:
"Se você acha que tem talento para as letras, participe do concurso Encaixe essa frase. A coisa funciona assim: todo mês publicaremos nessa página uma frase sem pé nem cabeça. Ao leitor-candidato caberá desenvolver um contexto que a torne sensata, que lhe confira pé e cabeça. Os textos poderão conter 3,2 mil caracteres com espaço e devem ser enviados até o dia 20 de cada mês. O melhor deles sairá na revista".
Frase do mês: "Os pêlos do tornozelo dele grudaram na colcha de chenile".
Não preciso dizer que exerci meu talento literário participando do concurso. Segue abaixo meu texto.
Os pêlos do tornozelo dele grudaram na colcha de chenile
O quebra pau foi feio.
Na sala, esquecida num canto, a jaqueta que lhe dei de presente em nosso oitavo ano de casamento. Puída nos cotovelos, já sem o rasto de couro dos primeiros anos, a maldita sempre o acompanhou nas muitas viagens que diz ter feito só.
Arrasto o corpo dolorido até a cozinha. Insone, agradeço pelo sumiço das cãibras que insistiam em aparecer justo na hora que mais o desejava. As posições treinadas, para ele esdrúxulas, de nada adiantaram.
A pia, um caos. Caroço de ameixa, cascas de ovos, e gelatina flutuando no resto de espumante servido em taça de martini. Abro a torneira da água quente e aponto o chuveirinho para o chantilly. Horas antes, o creme cobria parte do corpo dele; agora, tento expulsá-lo pelo encanamento. Não adianta. Minha fantasia entope o ralo.
Ligo a televisão na esperança de encontrar um programa qualquer. O canal ainda se encontra no AV-1. De dentro do DVD, expulso o filme com a tal cena que tentamos reproduzir. O controle remoto, melecado com a calda de cereja maraschino, gruda em minhas mãos. Corro os canais; apenas pastores em busca de gente em estado pior do que o meu.
Ao me levantar, chuto uma garrafa de plástico. Nela há um resto do mel que não fora usado para lambuzar nossas pernas. Apanho algo para me aquecer. Droga! Os pêlos do tornozelo dele grudaram na colcha de chenile.
Antes de voltar para a cama, passo pelo banheiro em busca de um Dramin. O mesmo remédio usado durante nossas sacolejantes viagens de barco é agora engolido em noite de calmaria.
Já deitada, mexo de um lado para outro. Busco o sono sem sucesso. Até que vejo, em cima do criado mudo, o motivo de nossa discussão: a revista grande e feita de papel de jornal que ele inventou de ler minutos depois de termos feito amor.
Infelizmente, meu texto (uma sátira de uma cena de um filme cult dos anos 80, Nove e Meia Semanas de Amor) não foi considerado o melhor do mês e, portanto, não foi publicado nas páginas da revista Piauí.
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