15.3.08

Viagens Pelo Brasil - Maceió

Em Neópolis, SE, apanhei uma balsa para cruzar o São Francisco e, consequentemente, entrar no estado de Alagoas. Desci em Penedo, uma cidade histórica mal preservada e esquecida pelo turismo. Fui almoçar no restaurante Forte da Rocheira, que está junto a um rochedo. Após estudar o cardápio, pedi a especialidade local: jacaré desfiado ao molho de coco guarnecido de arroz e farofa. Sinceramente, estava saboroso, mas se tivessem me servido frango não encontraria diferenças. Após o almoço, tentei tirar fotos da cidade. Entretanto, havia tantos andaimes, fios elétricos, pichações, cartazes, que foi difícil conseguir um único enquadramento que me deixasse satisfeito. Avistei um hotel alto e horroroso de cujos quartos talvez conseguisse uma boa imagem. Porém, o recepcionista e depois o gerente não me permitiram fotografar de dentro dos quartos. O gerente me disse que os fotógrafos que ali estiveram jamais recomendaram o hotel (um verdadeiro monstrengo) em matérias para jornais ou revistas e, em algumas fotos, até o excluíram digitalmente. Fui embora de Penedo desapontado em ver uma cidade explorar tão mal o seu potencial turístico.

Dirigi pela rodovia costeira, margeando o litoral alagoano até Maceió. Passei por plantações de cana, coqueirais, e fiquei embasbacado com a cor do mar: um deslumbrante azul-esverdeado.

Ao chegar a Maceió, continuei encantado com o mar. Ao dirigir pela orla, entendi porque é considerada a mais bela do país. Em Pajuçara e Ponta Verde, vi coqueiros em meio a um tapete de grama japonesa e, ao fundo, a água em diferentes tons de azul.
A orla de Maceió

Ao chegar ao hotel (San Marino Suites), encontrei vários problemas. Primeiro, um ar-condicionado que emitia sons semelhantes ao de um estômago com fome. Resolvi este imbróglio mudando de quarto. Porém, no novo apartamento, ao tomar banho, toda a água do chuveiro escorria por debaixo da porta do box, alagando o quarto. Inacreditavelmente, o piso do chuveiro era inclinado em sentido oposto ao ralo. E a base da porta do box ficava uns dois dedos acima do chão. Quando percebi o problema, já era tarde demais. Meu quarto havia se transformado numa piscina. Liguei para a recepção e expus o que havia acontecido. O recepcionista disse que isso era “normal”, que já havia acontecido antes. “Huh?! E nada havia sido feito para resolver o problema?”, pensei comigo mesmo. O funcionário disse que ia chamar a camareira para secar o quarto. Disse a ele para avisá-la para trazer rodo e não apenas uns paninhos. Em seguida, o funcionário me instruiu a colocar várias toalhas enroladas junto à porta do box quando fosse tomar banho. Ou seja, a cada vez que ligasse o chuveiro, precisaria construir uma represa. É brincadeira? Bem, para encurtar a história, dias depois, de tanto encher o saco do hotel, uma borracha foi improvisada na porta do box, saneando parte do problema.

Ao sair para jantar, vi pregado na parede do elevador o cardápio para aqueles que haviam comprado pacotes através da CVC. É um absurdo que esta operadora incentive a diária completa. Será que não percebem o quanto isto é prejudicial aos restaurantes locais que vivem do turismo?

Jantei no restaurante Le Sururu, dentro do hotel Ritz Lagoa da Anta. Era o único cliente no estabelecimento, o que me incomodou um pouco. Porém, meu pedido, risoto de polvo com lagosta e camarão grelhados, estava bom.

Depois de escrever minha coluna semanal para o jornal Hoje em Dia, iniciei o trabalho em Maceió. Ao telefonar para o Irmãs Rocha, tradicional restaurante de comida alagoana, descobri que havia fechado suas portas. Uma pena! Decidi então ir a Massagueiras provar receitas com sururu.

Massagueiras é uma comunidade localizada no município de Marechal Deodoro, há cerca de 20 km de Maceió. Há inúmeros restaurantes regionais que servem sururu, uma espécie de mini mexilhão que é apanhado em lagoas de água salobra. A maioria dos estabelecimentos de Massagueira fica às margens da Lagoa Manguaba. Sentado no Bar do Pato, vi pescadores jogando redes e canoas passando. Pedi meia porção de sururu ensopado e meia de maçunim (uma espécie de vôngole, também encontrada em lagoas de água salobra). Como é costume local, ambos não são degustados com fatias de pão, e sim farofa. Estavam saborosos.
O Bar do Pato; sururu ensopado; e pescadores jogando rede em Massagueiras.

Em seguida, fui verificar o trabalho de senhoras que fazem e vendem cocadas em Massagueira. Há barraquinhas enfileiradas dentro da comunidade e também junto a uma rodovia. Nelas, encontram-se cocadas de tudo que é sabor: abacaxi, maracujá, jaca, leite condensado, goiaba, banana, preta. Havia também um bolinho chamado “Brasileira”, que é semelhante a um bombocado, feito com farinha de trigo, manteiga, e coco.

Vendedora de cocadas em Massagueiras
Ao entardecer, percorri a orla a pé para tirar fotos. À noite, fui jantar no Le Corbu. Pedi risoto de abóbora (também conhecida como jerimum) com camarões grelhados. Fui tratado de maneira cortês e simpática por Jorge Bandeira, o proprietário da casa. Mais tarde, li que Bandeira foi o piloto do PC Farias.

Na quarta-feira, 12 de março, segundo dia de trabalho em Maceió, tive um dos pontos altos da viagem até o momento: o almoço no Wanchako. O restaurante é especializado em culinária peruana. Além da ótima comida, o serviço é atencioso e profissional, e o ambiente conta com salões temáticos e aconchegantes. Após me acomodar em uma mesa banhada com luz natural (o que me auxiliaria na hora de tirar as fotos dos pratos), pedi um pisco sour. Este é uma bebida feita com pisco (uma aguardente encontrada no Peru), sumo de limão, clara de ovo, e açúcar. Tudo é batido numa coqueteleira e servido em taça de martini com cuja borda é coberta com açúcar cristal. Depois de ter me apresentado, disse que degustaria aquilo que fosse recomendado pela proprietária da casa. Sendo assim, de entrada, fui servido com um ceviche de peixe com camarão. Como prato principal, saboreei uma esplêndida tilápia com vieiras, rúcula, e alho-poró. Para fechar, a sobremesa foi uma pequena taça de creme de limão coberto com chantilly. Até agora (14º dia de trabalho), o Wanchako divide com o Paraíso Tropical, em Salvador, o título de melhor restaurante da viagem.
Restaurante Wanchako, em Maceió

Fui informado que encontraria o sururu na concha num local conhecido como “dique estrada”. Entretanto, também me disseram que não deveria ir a este lugar sozinho por ser “barra pesada”. Teimoso como sou, fui. Ao dirigir pelo dique estrada, deparei com uma das regiões mais miseráveis que já estive no Brasil. Mesmo com as janelas fechadas, um cheiro mórbido invadia o carro. Pelas janelas, uma imensa favela morando junto a um manguezal. Do lado de fora dos paupérrimos barracões, famílias cozinhavam montanhas de sururu em fogões improvisados no meio da rua. Infelizmente, não tive coragem nem estômago para fotografar.

À noite, comi uma pizza e assisti um pouco de futebol. Por volta da meia-noite fui apanhar meu pai no longe aeroporto de Maceió. Seu vôo estava marcado para aterrizar à 01h40m. Como se tivesse viajado numa máquina do tempo, encontrei um aeroporto empapuçado de famílias passeando pelo saguão. No terraço de onde é possível avistar os aviões que chegam ou decolam, havia dezenas de pessoas perfumadas com sabonete Palmolive e vestidas como se fossem ao baile. As mães com seus filhos ao colo apontavam para o avião e diziam boquiabertas: “Olho como ele é grandão!”. Adorei ver as pessoas dando tchauzinho para os passageiros que estavam enclausurados dentro da máquina voadora. Junto ao portão de embarque e de desembarque, vi um monte de gente se abraçando com vontade e rostos marejados de choro. Incrível! É como se tivesse voltado à Congonhas ou à Pampulha de trinta anos atrás.

Meu pai desembarcou por volta das duas da manhã. Depois de abraçá-lo, disse que no nordeste, seus cento e sessenta e poucos centímetros de altura o faziam ser uma pessoa alta.

Uma pausa para observação cultural: Não existe música ambiente na massiva maioria dos estabelecimentos no nordeste. É só televisão ligado. E preferencialmente em volume alto. Desde que iniciei minha viagem, tristemente sou obrigado a conviver com Ana Maria Braga durante meu café da manhã. Caso a televisão esteja desligada, a música fica a carga de americanas que gostam de berrar agudos estridentes (tipo Celine Dion, Mariah Carey, Whitney Houston, e outras porcariadas que infestam o rádio e doem os ouvidos). Devia haver uma lei nacional que proibisse tocar músicas estrangeiras em estabelecimentos turísticos (como hotéis, restaurantes à beira da praia, etc).

Por volta do meio-dia, meu pai e eu apanhamos uma jangada em Pajuçara para conhecer as piscinas naturais de Maceió. Em bate-papo com o jangadeiro, fiquei sabendo que a embarcação era toda “recheada” com placas de isopor. A vela era feita um tecido de algodão e precisava ser molhada constantemente para fechar os poros do tecido e facilitar o deslocamento. Ao chegar às piscinas naturais, distante cerca de 2.000 metros da praia, havia dezenas de jangadas. Algumas delas eram bares que serviam bebidas e preparavam tira-gostos. Na água quente, famílias e casais nadavam, mergulhavam ou beliscavam lagostas grelhadas, peixes fritos ou porções de camarões ao alho e óleo. Para beber, cervejas geladas e caipiroscas de frutas.
As piscinas naturaius de Pajuçara, em Maceió.

Ao cair do dia fui ao Oca, distante uns 20 km ao norte de Maceió, em Ipioca. O restaurante, apesar de ter pouco mais de um ano de vida, já é estrelado pelo Guia 4 Rodas. O estabelecimento é decorado com quadros com motivos folclóricos nordestinos, como os bonecos gigantes de Olinda. O proprietário da casa, além de talentoso chef de cozinha, é também um artista: os quadros do restaurante, assim como as toalhas de mesa, foram pintadas por ele. Outro destaque é a deslumbrante vista que o restaurante possui de uma deslumbrante praia com coqueiros. Dentre as iguarias provadas, recomendo entusiasmado o caldinho e a tapioca de sururu, a tapioca de aratu (uma espécie de caranguejo) com molho de laranja, e a lagosta servida no abacaxi.

Restaurante Oca, Praia de Ipioca, Maceió.

Uma vez que não fotografei o sururu na concha no dique estrada, na sexta-feira, dia 14 de março, fui ao Mercado de Maceió. Localizado no centro da cidade, o local é um caos. Centenas de barracas se espremem ao redor do mercado. Dentro dele, as condições higiênicas são péssimas. No ar, um fedor que causa náusea a estômagos menos experimentados. Vi montanhas de ossos, pilhas de tripas, e carnes expostas ao leu, cobertas de moscas sob o sol de meio dia. Meu pai, inocente à realidade em locais fora do eixo turístico, saiu dali cambaleando de tontura e xingando os políticos locais. Entretanto, meu objetivo no mercado foi alcançado: fiz boas fotos de sururu e, de gruja, de caranguejos azuis, os chamados guaiamuns.

À tarde, almocei em um dos melhores restaurantes de Maceió: o Divina Gula. André e Claudia, o casal de proprietários, me receberam com simpatia. O estabelecimento possui um interessante (e saboroso) cardápio que mistura a culinária mineira (estado natal dos donos) com a alagoana. Provei uma carne de sol servida sobre purê de macaxeira com refogado de biri-biri e couve. Meu pai pediu um robalo acompanhado de legumes servido numa charmosa frigideira. De sobremesa, provamos um delicioso pastel de banana com sorvete de tapioca.
Restaurante Divina Gula, Maceió.

Horas mais tarde, meu pai passou a freqüentar o banheiro com freqüência. (Isso sempre acontece nos primeiros dias de viagem quando decide me acompanhar na cobertura dos livros que escrevo) Ele disse que o motivo do desarranjo foi uma combinação do que viu no mercado e do pedacinho de carne de sol (servida mal passada) que provou. Felizmente, meu sistema digestivo, acostumado a inúmeras provas de tudo que é troço e bagulho, nada sentiu.

Ao cair da tarde, fui conhecer uma das mais sofisticadas barracas de praia da capital alagoana: a Lopana. Localizado em Ponta Verde, o local é agradabilíssimo; perfeito para o happy hour. De frente para o mar, o estabelecimento possui um cardápio com receitas que incluem tanto lagosta quanto cordeiro. Além disso, oferece internet wi-fi aos clientes e conta um catamarã que faz passeios pela orla. Provei uma casquinha de camarão e uma caipirosca de manga. Ambos supimpa.
Barraca Lopana, Praia de Ponta Verde, Maceió.

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