21.9.09

A saga do Plano Real

Recentemente terminei a leitura de "3.000 Dias No Bunker", escrito por Guilherme Fiúza. Apesar de achar que fosse gostar mais do livro, o recomendo para quem tem o mínimo interesse em conhecer um pouco mais sobre os personagens que criaram (e executaram) o Plano Real.


O livro conta a história de um grupo de acadêmicos, sem experiência no poder e revela, segundo sinopse obtida do site da Livraria Cultura, "os bastidores das mudanças mais ruidosas e das mais silenciosas, que mexeram com a vida do país. Do plano econômico que nasce de uma operação secreta para driblar o FMI, à articulação internacional que cria uma blindagem política em torno da equipe de Fernando Henrique Cardoso".

Abaixo, um trecho do livro que revela parte dos bastidores do Plano Real:

“José Coelho Ferreira, procurador chefe do Banco Central, (...) faria Gustavo Franco vislumbrar pela primeira vez o que seria o verdadeiro esqueleto do plano [Real].
(...) o que tinham que desenvolver não era mais um plano econômico, mas um plano jurídico. (...) A partir daí, [Gustavo Franco] mergulhou num estudo minucioso sobre legislação monetária, e programou uma bateria de consultas aos maiores especialistas nacionais no assunto. (...) a montagem do plano [Real] mudou-se definitivamente dos domínios da economia para os do direito.
(...)
– Já entendi. Você quer fazer uma moeda com curso legal, sem poder liberatório – sintetizou Bulhões [José Luís Bulhões Pedreia, advogado especialista em legislação monetária]

(...)

Um dos grandes desafios da equipe [econômica] até ali tinha sido descobrir como evitar que a inflação saltasse o fosso entre passado e futuro. Isto é, como impedir que a vida cotada na velha moeda, quando convertida ao tal indexador [o futuro URV] (embrião da nova moeda), não o contaminasse com o entulho da correção monetária.

(...)

[Gustavo Franco] tinha posto no papel, em bom economês, a idéia que os advogados haviam jogado no ar: a URV não seria um índice, mas uma moeda – “sem poder liberatório”, isto é, que não circula como meio de pagamento, mas com “curso legal”, ou seja, uma moeda de verdade. Que serviria só como unidade de valor, para transplantar a economia da moeda velha para a nova”.

E o que significava isto? Significava que, quando preços e salários desembarcassem na URV, não poderiam – à luz do direito – trazer sua bagagem inflacionária. Pelo simples fato de que não estavam mudando de índice, mas mudando de moeda. E a lei diz que não existe correção monetária de uma moeda para outra.

(...)

Gustavo chegou à Brasília (...), foi direto para a sala do procurador [chefe do Banco Central, José Coelho Ferreira], e já entrou falando no negócio das duas moedas. Coelho estranhou, disse que nunca tinha ouvido falar naquilo. O economista (...) explicou que a tal segunda moeda não teria representação física, seria como uma moeda virtual, e o procurador cortou-o com as palavras mágicas:

- Ah, já entendi. Curso legal, sem poder liberatório. Interessante! Deixa eu rabiscar aqui...

(...)
[Resumindo] vigência paralela de duas moedas, a segunda só ganhando poder liberatório (uso para pagamento) quando emitida, momento em que desapareceria a moeda virtual e a moeda velha.”.



Entretanto, o que mais me fascinou no livro não foi o que aconteceu por trás do Plano Real, mas sim a personalidade forte de alguns dos principais personagens, como Gustavo Franco - ex-presidente do Banco Central - e David Zylbersztajn - secretário de energia no governo Covas.


Abaixo, um trecho do livro sobre Gustavo Franco:

“Certa vez, [Gustavo Franco] desentendeu-se com uma professora de sociologia política que lhe parecia dar aula de trás de uma barricada. Não se conteve, e resolveu interromper a catequese marxista contra a tirania do governo militar no país. Levantou o dedo e falou que, na sua opinião, subversivo não era Marx, mas James Joyce. Quase saindo de si, a mestra acusou-o de alienado, e teve de ouvir a provocação:

- Professora, não sei se a senhora percebeu, mas a guerra acabou. Ganhamos! A gente tem um país aí para construir. A universidade não é mais o centro da resistência”.


E outros dois sobre David Zylbersztajn:

“David Zylbersztajn [secretário de energia durante o primeiro mandato (1995-98) do governador paulista Mário Covas] montara sua teoria particular para a Queda do Muro de Berlim. Jamais a defenderia perante uma banca acadêmica, mas gostava de enunciá-la para si mesmo, com toda a convicção: o que derrubou o regime soviético, e depois toda a Cortina de Ferro, foi a máquina xerox. Achava que ela fora a grande arma revolucionária contra o controle do conhecimento e da informação, fotocopiando e replicando o saber represado, arejando cabeças e instituições. Mais do que o autoritarismo político e a rigidez econômica, o que levava um Estado à falência (...) era a falta de oxigênio intelectual”.

“David Zylbersztajn, fazendo a biópsia da Eletropaulo, foi checar os contratos de segurança. Constatou que cada vigilante recebia o equivalente a 28 dólares a hora, e questionou imediatamente o departamento administrativo. O responsável foi à sua sala e explicou-lhe que, infelizmente, não existiam no mercado seguranças confiáveis por um valor inferior àquele. Zylbersztajn não prolongou a conversa:
- Não tem mais barato? Ok, então rescinde todos os contratos. Acabou a segurança. Por esse preço, prefiro o ladrão.”.

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